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A G.N. GRANDE NATURALIZAÇÃO DE ESTRANGEIROS PRESENTES NO BRASIL

A G.N. GRANDE NATURALIZAÇÃO DE ESTRANGEIROS PRESENTES NO BRASIL

09:08 05 dezembro in Artigos, Notícias

Diante do enorme fluxo migratório que assolava o país desde a segunda metade do século XIX, o governo provisório brasileiro com a edição do Decreto nº. 58A, de 15 de dezembro de 1889, deu início a chamada grande naturalização. Em síntese, o referido decreto previa que todos os estrangeiros presentes em território brasileiro em 15 de novembro de 1889, dia da proclamação da República Brasileira, seriam automaticamente naturalizados cidadãos brasileiros, a menos que, no prazo de seis meses tivessem declarado formalmente expressão contrária perante o próprio Consulado.

O decreto brasileiro, porém considerado prejudicial à soberania dos Estados estrangeiros conflitava de tal forma com o direito internacional que despertou fortes reações diplomáticas, especialmente de Estados como Espanha, Portugal, Império Austro-Húngaro e Reino da Itália de onde vinha o mais importante fluxo migratório; Na Itália, a reação foi dura e não demorou muito para o então PrimeiroMinistro e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Francesco Crispi, reagir, primeiro com o despacho T.305 de 21 de Dezembro de 1889, dirigido às Embaixadas Italianas em Berlim, Londres, Madrid , Paris, Viena e a Legação de Lisboa, (“Recente decreto do Governo brasileiro impõe, no prazo de 6 meses, a cidadania brasileira aos estrangeiros que aí residem em 15 de dezembro de….. e aos que para lá emigrarem no futuro após dois anos de residência.

Consideramos prejudicial esta disposição, porque é e será impossível para numerosos colonos muito distantes dos centros onde estão as autoridades, ou expostos a influências e pressões escaparem da sanção do decreto. O direito de opção é ilusório na prática e uma situação violenta que pode dar origem a resistência, agitação, conflitos internacionais e outros inconvenientes incalculáveis. Investigar e tratar se este governo estaria disposto a tomar medidas coletivas ou simultâneas conosco para obter a revogação ou pelo menos modificação do decreto”); em seguida, emitiu a circular de 30 de dezembro de 1889, com o objetivo de proibir a migração.

Na altura, como resulta do despacho acima citado, existia o receio de que o consentimento tácito à naturalização se generalizasse para todos aqueles que não tivessem feito a declaração de não naturalização no prazo de seis meses a contar da entrada em vigor do decreto, qualificando assim a inércia como uma presunção tácita de consentimento para a aquisição da cidadania estrangeira; na realidade, muitas vezes os estrangeiros, na sua maioria trabalhadores agrícolas e analfabetos, encontravam-se em zonas inacessíveis, a quilómetros de distância dos Consulados e como tal, incapazes de compreender o disposto no decreto e de fazer a declaração no prazo.

Mesmo juízes estrangeiros, inclusive italianos consideraram o decreto brasileiro ilegítimo por ser contrário às normas nacionais e internacionais, afirmando que a cidadania brasileira não poderia ser reconhecida tacitamente, mas somente por meio de um ato formalmente escrito em que expressasse uma manifestação clara do desejo de se obter a cidadania brasileira. Na Itália, então, a tese da “naturalização tácita” contrastava com a instituição da atribuição da cidadania por título originário porque, desde a aprovação do código civil de 1865 do Reino da Itália, em virtude do princípio do ius sanguinis, o descendente de cidadão italiano é considerado italiano mesmo que tenha nascido no exterior e aí resida, princípio incompatível com a tese da renúncia tácita à cidadania que decorreria da aplicação do decreto brasileiro; na lei italiana da época, a cidadania era (e ainda é hoje) um direito absoluto, inviolável e imprescritível, que só pode ser perdido em caso de
renúncia voluntária e expressa.

O Brasil, portanto, tomando conhecimento do obstrucionismo de muitos países estrangeiros, regulamentou em 1908 a concessão da naturalização brasileira mediante a apresentação de pedido formalmente expresso, rejeitando definitivamente o princípio da “naturalização tácita”. Acrescente-se a isso o fato de que, na Itália, foi promulgada a lei 555/1912, cujo artigo 8º previa que a renúncia à cidadania italiana só poderia ser alcançada através de um ato consciente e voluntário do interessado: “Renunciar a cidadania:
1. Quem adquirir espontaneamente a nacionalidade estrangeira e estabelecer ou tiver estabelecido
residência no estrangeiro;
2. Quem, tendo adquirido a cidadania estrangeira sem vontade própria, declara renunciar à cidadania italiana e estabelece ou estabeleceu residência no exterior.
Pode o Governo nos casos indicados nos n. 1º e 2º isentos da condição de transferência de residência no exterior;
– 3. Quem, tendo aceitado emprego de um governo estrangeiro ou tendo entrado no serviço militar de um pais estrangeiro, persiste, apesar da ordem do governo italiano de abandonar o emprego ou o serviço dentro de um prazo determinado.

A perda da cidadania nos casos previstos neste artigo não exime das obrigações do serviço militar, somente em casos previstos nas concedidas por leis especiais”. Hoje, essa conclusão também é confirmada pela divulgação do CNN (certificado de não naturalização) emitido pelo governo brasileiro que comprova a inexistência de naturalização tácita e a transmissão da cidadania italiana aos descendentes em linha reta, sem interrupção, desde a aprovação do código civil de 1865 do Reino da Itália.

A questão foi também tratada pelas Seções Unidas do Tribunal de Cassação que chamadas a decidir sobre questões que envolvam os efeitos da “grande naturalização” – com as sentenças gémeas de 24 de agosto de 2022, n. 25317 e não. 25318, expressaram os seguintes princípios: “(i) Segundo a tradição jurídica italiana, no sistema delineado pelo código civil de 1865, pela posterior lei de cidadania n. 555 de 1912 e a atual Lei n. 91 de 1992, a cidadania por nascimento é adquirida pelo título originário ius sanguinis, e a condição de cidadão, uma vez adquirida, tem caráter permanente, é imprescritível e é justiciável (ou seja: o reconhecimento pode ser obtido judicialmente) em qualquer período com base no simples comprovante do processo de aquisição integrado por nascimento como cidadão italiano; quem solicita o reconhecimento da cidadania é responsável por provar apenas o fato de aquisição e a linha de transmissão, enquanto a outra parte, que abriu exceção, é responsável por provar qualquer circunstância interrompidora; (ii) A instituição da perda da cidadania italiana, regida pelo código civil de 1865 e pela Lei nº. 555
de 1912, onde entendida em relação ao fenômeno dos G.N.

Grande a naturalização dos estrangeiros presentes no Brasil no final do século XIX, implica uma restricão das normas pertinentes, no âmbito dos novos princípios constitucionais, sendo a cidadania um dos direitos fundamentais; nesta perspectiva a arte. 11, não. 2, c.c. 1865, ao estabelecer que a cidadania italiana é perdida por quem “obteve a cidadania em país estrangeiro”, implica, pelos efeitos na linha de transmissão do ius sanguinis aos descendentes, que o cumprimento pela pessoa da época seja apurado emigrante, de um ato espontâneo e voluntário destinado à aquisição da cidadania estrangeira – por exemplo integrado por pedido de inscrição nos cadernos eleitorais nos termos da lei do lugar – sem ter estabelecido residência no estrangeiro, ou mesmo ter estabilizado as suas condições de vida no estrangeiro, pode ser considerado suficiente, juntamente com a falta de reação à medida de naturalização generalizada, para integrar o caso de extinção do estatuto através da aceitação tácita dos efeitos dessa medida;

(iii) Dos artigos. 3, 4, 16 e seguintes. e 22 Constituição, do art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 e do Tratado de Lisboa de 13 de dezembro de 2007, é claro que toda pessoa tem um direito subjetivo permanente e imprescritível à condição de cidadão, que engloba direitos distintos e igualmente fundamentais; isto também é relevante em relação à exegese das regras do Estado pré-constitucional, quando ainda aplicáveis; o direito pode ser perdido através da renúncia, mas desde que seja voluntária e explícita, em deferência à liberdade individual e, portanto, nunca através da renúncia tácita, que por sua vez pode ser deduzida de alguma forma de aceitação tácita do estrangeiro transmitida por generalização provisão de naturalização;  (iv) O caso de perda da cidadania italiana, relacionado à aceitação de emprego de governo estrangeiro sem autorização do governo italiano, deve ser entendido tanto no art. 11, não. 3º, do código civil revogado, tanto no art. 8, não. 3º, da Lei n. 555 de 1912, como incluindo apenas cargos públicos no sentido estrito, que tenham resultado na assunção de funções públicas no exterior de modo a impor obrigações de hierarquia e lealdade para com o Estado estrangeiro, de natureza estável e essencialmente definitiva, de modo a não poderem ser integrado pela simples circunstância de exercer qualquer atividade laboral no estrangeiro, seja ela pública ou privada”.

Diante do exposto e considerando que a cidadania italiana por descendência é transmitida sem limites geracionais, quem a solicitar deverá demonstrar apenas que é descendente de um ancestral italiano (com o único limite de que ele seja morreu após a proclamação do Reino da Itália, ou seja, após 17 de março de 1861), enquanto qualquer renúncia à cidadania italiana expressa por testamento expresso deve ser comprovada pela contraparte, ou seja, o Ministério do Interior italiano; neste sentido, a produção em juízo da CCN (certidão negativa de naturalização) demonstra a não conclusão do procedimento de naturalização.

O Ministério do Interior teve que tomar nota e adaptar-se à interpretação fornecida nas referidas sentenças gémeas das Secções Unidas do Tribunal de Cassação. Na verdade, até à sua emissão, o Ministério do Interior, com a circular prot. n. 6.497, de 6 de outubro de 2021, havia declarado que com a grande naturalização havia sido alcançada a aceitação tácita da cidadania brasileira e a simultânea renúncia tácita à cidadania italiana e em consequência, deu ordens aos Oficiais do Estado Civil dos Municípios, onde fossem apresentados os pedidos para dar prioridade aos processos de cidadania jus sanguinis relativas a sujeitos não afetados pela Grande Naturalização, “deixando os processos de cidadãos que foram afetados pela G.N para serem tratadas posteriormente”.

 

 

 

 

Naturalização Brasileira” que revogou explicitamente a circular anterior nº. 6.497, de 6 de outubro de 2021, convidando os Prefeitos a informar aos Municípios o que foi estabelecido pelas Seções Unidas da Cassação e a fornecer-lhes “indicações destinadas a retomar o processamento dos pedidos suspensos enquanto se aguarda a decisão jurisprudencial em questão”.